terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Portugueses nas zonas de fronteira vão a Espanha comprar medicamentos

Atravessar a fronteira e ir comprar medicamentos em Espanha já é vulgar no Minho e no Alentejo; farmacêuticos do lado de cá começam a queixar-se da quebra de lucros

Espanha é um destino de eleição dos portugueses na hora da compra de medicamentos. Mesmo sem a comparticipação do Estado português, comprar do outro lado da fronteira continua a representar ganhos, apesar da baixa generalizada do preço dos medicamentos registada em território nacional graças à descida do preço dos genéricos e ao novo regime de formação de preços que passou a ter como países de referência Espanha, Itália e Eslovénia.
Comprar uma embalagem de medicamento genérico com o princípio activo Omeprazol (28 unidades, 10 mg) custa, em terra espanhola, 2,50 euros. Em Portugal, o medicamento com as mesmas características (mas em embalagens de apenas 14 unidades, pois não existe de 28) custa 3,58 euros. Ou seja, em Espanha consegue-se o mesmo medicamento a menos de metade do preço, mesmo sem qualquer comparticipação.

Este é apenas um dos exemplos que conduzem diariamente uma média de dois portugueses à Farmácia Alvarez Duran, no centro histórico da cidade galega de Tui, ao lado da fronteira com Valença (Minho). Ao PÚBLICO, a responsável pelo estabelecimento, Consuelo Alvarez Duran, confessou que ao fim-de-semana chegam a ser uma média de três dezenas os portugueses que ali vão propositadamente à procura de fármacos a preços mais económicos. "Vêm comprar sobretudo medicamentos para a terceira idade, que são mais baratos em Espanha, ou que não fabricam em Portugal, e produtos de parafarmácia."

Apesar de as autoridades espanholas não terem dados sobre o número de portugueses que recorrem às farmácias do país vizinho, é fácil confirmar os números. Chegar a uma farmácia de Tui e ouvir falar português é quase tão vulgar como numa farmácia portuguesa. Maria da Graça, de Famalicão, aproveitou estar de passagem para comprar um medicamento que descobriu casualmente ser mais barato no país vizinho, graças a uma escala que fez no aeroporto de Barcelona. Agora, sempre que vai a Espanha, aproveita para comprar, já que diz ser "bastante mais barato".

À procura de médicos
Na outra ponta da Península, na fronteira alentejana, o cenário é idêntico. Os portugueses rumam ao país vizinho à procura de fármacos a preços mais acessíveis, mas também à procura de médicos especialistas que não encontram do lado de cá. A proprietária da Farmácia Calado, em Elvas, confirma que os portugueses "recorrem muito" a especialistas em Badajoz. "Basta ir a um consultório e verifica-se que são mais os portugueses à espera de consulta", observa.

Vários funcionários de farmácias localizadas entre Elvas e Vila Verde de Ficalho confirmaram ao PÚBLICO que as pessoas perguntam primeiro o preço do medicamento. Se verificam que é mais barato do outro lado da fronteira, acabam por ir comprar a Espanha. Nesta localidade do concelho de Serpa, desde que a crise económica se acentuou, "há um número crescente de pessoas que vai comprar medicamentos a Espanha".

Para este fenómeno também têm contribuído os médicos, que aconselham os pacientes a recorrer ao país vizinho para terem acesso a fármacos mais baratos. Paula Pires, que tem a avó internada num lar de idosos na região do Porto, confirma que o clínico da instituição disse à família para aviar o receituário (composto sobretudo por medicamentos para activar a circulação sanguínea) em Espanha, por ser "muito mais barato". Por seu lado, um farmacêutico alentejano revela a existência de casos de médicos espanhóis a prestar serviço em Portugal que "vendiam eles próprios a medicação ou aconselhavam a sua aquisição em determinadas farmácias de Espanha".

Os efeitos da emigração dos consumidores começam a sentir-se na Farmácia Alandroense, no Alandroal. O responsável, Hélder Gonçalves, confessa que, em 2009, facturou 1,5 milhões de euros, mas em 2011 realizou "um terço menos". "Se, desse montante, preciso de 500 mil a 700 mil euros para ter a farmácia a funcionar, estou confrontado com uma situação dramática e insustentável."

À Associação Nacional de Farmácias ainda não chegaram ecos destas situações. João Cordeiro, presidente da ANF, confirmou ao PÚBLICO não ter recebido qualquer pedido de ajuda por parte de alguma farmácia por estar a perder clientes para Espanha. De resto, Cordeiro considera a compra de fármacos no país vizinho "irracional", porque "assim nem têm comparticipação nos medicamentos". "O que acontece é que os doentes vão ao médico a Espanha e compram lá os medicamentos", explicou. Quando confrontado com a romaria de cidadãos nacionais às farmácias espanholas, o presidente da ANF defende que, "se isso acontece, é porque a indústria farmacêutica vende os medicamentos muito mais caros". João Cordeiro esclarece que a margem de lucro das farmácias portuguesas é inferior ao lucro das vizinhas espanholas - 20% contra 28% . É essa a razão, diz, que explica por que há medicamentos muito mais baratos em Espanha: é porque, diz, "a indústria farmacêutica está a vendê-los muito mais caros em Portugal".


Por Susana Ramos Martins e Carlos Dias no PÚBLICO de 13 de Fevereiro de 2012 e edição on line

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