quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Falta de verbas para desassoreamento ameaça encerrar portos do Norte

Presidente da Associação Pró Maior Segurança dos Homens do Mar afirma que, se o problema não for resolvido até ao Verão, os pescadores admitem bloquear o porto de Leixões
A informação está a indignar os pescadores, que renovam a ameaça de bloquearem por tempo indeterminado o porto de Leixões: não há nenhuma intervenção de desassoreamento prevista para os portos de mar entre a Póvoa de Varzim e Caminha, onde a acumulação de areias já está a pôr em causa a actividade piscatória.

A garantia foi dada por um dirigente do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) ao presidente da associação de pescadores de Vila Praia de Âncora, Vasco Presa, na última semana. Os pescadores foram então avisados de que o instituto não tem qualquer indicação para avançar com dragagens nos portos da Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Esposende, Castelo de Neiva, Vila Praia de Âncora e Caminha.

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente da Associação Pró Maior Segurança dos Homens do Mar, José Festas, referiu que já tinha ficado com esta ideia numa reunião, em Novembro, com a ministra do Ambiente. Assunção Cristas terá dito na altura, segundo José Festas, que não havia dinheiro para avançar com as dragagens fundamentais para manter os portos de mar em actividade.

O PÚBLICO tentou ouvir o IPTM e o Ministério do Ambiente sobre esta questão, mas não obteve respostas até ao fecho desta edição. Em Outubro, via email, o presidente do conselho directivo do IPTM, João Carvalho, informou que a dragagem de todos os portos sob a sua administração, prevista para 2012, estava dependente da “existência de verbas correspondentes”.

Estas informações, sobre a impossibilidade de realizar as intervenções por falta de disponibilidade financeira, são contraditórias relativamente às garantias recentemente avançadas pelo eurodeputado José Manuel Fernandes de que há fundos comunitários disponíveis para o desassoreamento dos portos de mar portugueses. Em Dezembro, este eurodeputado do PSD, eleito por Braga, declarou ter sido informado, pela comissária europeia para os Assuntos do Mar e das Pescas, Maria Damanaki, da existência de fundos comunitários, disponíveis através do Feder – Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional, passíveis de afectação às dragagens, que classificou como “prioritárias”. José Manuel Fernandes alertava para a importância de aproveitar imediatamente as ajudas de Bruxelas, porque, argumentou, através do Feder era possível obter uma comparticipação de 95% para desassorear os portos de mar portugueses. Em declarações ao PÚBLICO, o eurodeputado acrescentou que o desassoreamento dos portos de mar do Norte do país, entre Caminha e a Póvoa de Varzim, era apenas uma questão de “vontade política”.



Acidentes omitidos



Impedidos pela areia de irem ao mar, mesmo em dias de bom tempo, e sem soluções à vista, os pescadores começam a dar sinais de desespero. “Se até ao Verão a situação não estiver resolvida, pode haver uma guerra civil. Isso é garantido!” A ameaça é feita pelo presidente da Associação Pró Marior Segurança dos Homens do Mar. José Festas garante que os pescadores estão “dispostos a tudo”, até a bloquear, por “tempo indeterminado”, o porto de Leixões.

O aviso surge numa altura em que os portos de pesca do Norte estão em risco de encerrarem, por falta de condições de segurança. A acumulação de areias é tal que as barras estão constantemente fechadas, impedindo os pescadores de trabalhar. Segundo os números avançados por José Festas, em causa está a continuidade da laboração de cerca de mil embarcações e três a quatro mil homens.

Em Vila Praia de Âncora, onde está um dos portos mais assoreados, metade da frota de 30 barcos já está parada. O presidente da associação Local de pescadores, Vasco Presa, adianta que muitos dos profissionais, desempregados, já emigraram. Conta que ele mesmo já teve de despedir dois dos quatro tripulantes do seu barco.

Além do desemprego, é a segurança que preocupa quem é obrigado a enfrentar as barras e os portos assoreados. Os representantes dos pescadores contactados pelo PÚBLICO falam em múltiplos acidentes que não têm sido relatados às autoridades por receio de que os portos sejam encerrados definitivamente. “Como o porto está assoreado, o mar ‘parte’ mesmo sem avisar, virando os barcos”, explica Vasco Presa, reiterando que “já houve vários casos que não foram comunicados à capitania”. José Festas lamenta que seja mesmo assim:“Um dos problemas que temos é o de o pescador acreditar que quanto menos falarmos em acidentes, melhor, para que o Governo não fiscalize mais.”

Um dos poucos acidentes que chegou ao conhecimento público vitimou três pescadores à entrada da barra de Caminha, em Março de 2010. Fortemente assoreada, a barra e um banco de areia existente no local – “um perigo escondido para quem é obrigado a passar por lá” – foram apontados por um dos sobreviventes do naufrágio do pesqueiro Vimar, Vítor Santos, como responsáveis pela morte dos seus três camaradas.



Publicado por Susana Ramos Martins na edição de 31 de Janeiro do PÚBLICO

Sem comentários: