Por entre as milhares de pessoas, há uma que assiste aos espectáculos com especial atenção. Trata-se de António, o homem que sonhou e fez nascer o festival. Com a ajuda da família, em especial da mulher, Amélia, e de alguns amigos como o maestro António Vitorino de Almeida, o médico vilarmourense consegue fazer algo por muitos considerado como uma loucura: colocar no mapa uma aldeia de um concelho perdido num país que vive ainda os tempos amargos da censura. Mas, “sem loucura o que é o homem?”, responde Barge aos que o criticam. Durante 15 dias, de 31 de Julho a 15 de Agosto de 1971, pelo palco de cimento do Largo do Casal passam as mais variadas formações destinadas a um público composto pelos mais variados gostos e preferências. O início do festival fica marcado pela estreia mundial de “Dom Garcia”, uma cantata que conta com poemas de Natália Correia e David Mourão-Ferreira e música de Joly Braga Santos. Segue-se a actuação do Grupo Coral Polifónico de Viana do Castelo, a Banda da Guarda Nacional Republicana e um grupo de bailado oriundo de Itália. Sobe também ao palco o maestro António Vitorino de Almeida para apresentar pela primeira vez a sua “Sinfonia Concertante”, onde colabora como solista a pianista Olga Prats. Manfred Mann, Elton John, o duo Ouro Negro e a fadista Amália Rodrigues fecham em glória o primeiro certame musical do género realizado num país onde o vento já traz o cheiro da liberdade.
Passam-se 11 anos até que seja realizada nova edição do festival de Vilar de Mouros. Está-se já em democracia. Corre o ano de 1982 quando em pleno Verão , de 31 de Julho a 8 de Agosto, o Largo do Casal volta a ser palco de grandes concertos. Rock, jazz, música sinfónica, folclore, teatro, poesia e fado. O cartaz é diversificado e, tal como a primeira edição, procura abranger um amplo público. Os U2, uma banda irlandesa ainda desconhecida, também por lá passam, assim como o maestro António Vitorino de Almeida, o fadista Carlos do Carmo, Jonny Copeland e Rão Kyao, entre outros.
Com António Barge ainda na comissão organizadora do festival, a iniciativa é, desta vez, encabeçada pela Câmara de Caminha, então presidida por Pita Guerreiro que vê esta como uma oportunidade de promover o município.
Passam-se 14 anos sem que nada do género aconteça naquela aldeia banhada pelo rio Coura, até que a empresa “Música no Coração” liderada pelo jovem Luís Montes, com o apoio da Unicer, põe mãos à obra. Estamos em Agosto de 1996. O entusiasmo é grande. Por todo o lado fala-se do assunto. Aqueles que viveram as edições anteriores, os que não viveram mas ouviram falar, e os que apenas ainda ouviram falar e querem viver. Fala-se das espigas de milho e das uvas que foram roubadas dos campos pelos festivaleiros que às tantas ficaram sem dinheiro e cheios de fome. Fala-se nos primeiros cabelos compridos que apareceram pelo concelho de Caminha. Fala-se numa espécie de versão portuguesa do Woodstock realizada num pais que vivia em ditadura. Perante tal expectativa, e com todos os meios de comunicação social a cobrirem o evento, o novo festival abre portas no dia 9 de Agosto. Quem entra percebe que houve uma evolução. O trabalho já é feito por profissionais do sector. Em vez de um, há dois palcos – o mítico palco de cimento resiste e continua a oferecer grandes concertos. Luís Montes garante que a reedição vai mater o “espírito de liberdade e contacto com a natureza”, mas é necessário criar outras regras de funcionamento senão, diz em declarações ao “Caminhense”, “é o buraco”. São vendidos apenas 15 mil bilhetes, não porque não houvesse maior procura, mas por questões de segurança. Primitive Reason, Kussondulola, Pato Banton, the Yong Gods, Xutos & Pontapés e Madredeus são algumas das bandas que marcam presença em Vilar de Mouros e que fazem desta edição mais um sucesso. Milhares de pessoas convivem em harmonia sem qualquer incidente a registar. Os que vieram partiram satisfeitos. Os por cá continuaram satisfeitos também ficaram com o negocio que fizeram. Depois deste fim-de-semana de festival as mercearias e os tascos de Vilar de Mouros tiveram que reabastecer com urgência, dado que ficaram com as prateleiras completamente vazias.
Apesar do sucesso, um novo interregno é feito e o Vilar de Mouros regressa apenas 3 anos depois, em 1999. Nesta altura os campos que ladeavam o Largo do Casal são comprados pela organização e o recinto é alargado. Além disso, em vez de 2 passam a haver 4 palcos. Entre os dias 17 e 22 de Agosto, Atomic Bees, República Massónica, Silence 4, Pretenders, Titãs e Eagle Eye Cherry são alguns dos nomes que voltam a fazer o festival um sucesso, numa altura em que por todo o pais começam a nascer como cogumelos certames do género.
A partir de então, todos os anos a pacata aldeia de Vilar de Mouros transforma-se durante o mês de Julho na capital da música. Alanis Morissete, Iron Maiden, Sunk Anansie, Beck, Ben Harper, Manu Chão, Rammstein, Sepultura são apenas exemplos de alguns nomes que já pisaram o solo do concelho de Caminha consagrando cada vez mais um festival que se quer afirmar a nível internacional.
O Vilar de Mouros regressa hoje com melhores condições infra-estruturais e com outros grandes nomes da música a nível mundial: Peter Gabriel, The Cure, Bob Dylan, Pj Harvey e Macy Gray são os cabeças de cartaz de um festival que, segundo Jorge Silva da Porto Eventos, uma das entidades organizadoras, já bateu os recordes de bilheteira dos últimos anos.
Escrito por Susana Ramos Martins e publicado em 2004 em O Caminhense
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