sexta-feira, 3 de abril de 2009

Riba de Âncora entra na Era Digital

Tem cerca de 800 habitantes, é uma aldeia do litoral, mas muito "fechada em si". Para contrariar esta tendência, a autarquia local decidiu apostar num projecto que permite a ligação rápida da freguesia ao mundo. Tudo graças à Internet.

TOC...TOC...TOC... Manuel Oliveira bate nas teclas do computador compassadamente. Os 60 e poucos anos não foram obstáculo ao seu crescente vício pelo maravilhoso World Wide Web. E muito menos o sacerdócio. A divulgação dos novos pecados capitais da Igreja Católica, que condenam o uso excessivo da Internet, não diminuiu a admiração de Manuel por aquele meio de comunicação.

TOC... TOC...TOC... O dia começa no monitor do computador com a leitura dos principais jornais. Desta forma, Manuel fica a saber o que se passa no mundo e poupa o dinheiro da compra dos diários. Os dois bonequinhos, um verde outro azul, também figuram na barra de ferramentas do computador do padre. Utiliza o messenger para falar com alguns paroquianos e outros amigos. "Tenho um irmão no Canadá com quem contaco habitualmente", conta. O email também faz parte do seu dia-a-dia e a troca de mensagens é feita frequentemente. "Não haja dúvida de que é enriquecedor!", defende.
A internet chega-lhe ao computador através do "Riba de Âncora Digital". É o nome de um projecto colocado em prática pela Junta de freguesia de uma das paróquias onde Manuel exerce o sacerdócio. Por apenas cinco euros mensais, qualquer pessoa daquela aldeia do concelho de Caminha tem acesso à Internet com uma capacidade de 100 Mb/dia.
O objectivo, explica o presidente da Junta e mentor do projecto, Luciano Santos, é ligar aquela aldeia com 800 habitantes, e que se encontra "fechada em si", como refere o autarca, ao resto do mundo.
Com uma geografia marcadamente montanhosa, o sinal de Internet é distribuído em Riba de Âncora pela Junta de Freguesia através de um sistema bastante simples: foi colocada uma antena no telhado da sede da Junta que recebe o sinal do servidor de internet da autarquia e o difunde para uma outra antena colocada num dos montes mais altos da freguesia. Com este processo, 75 por cento do território da aldeia já está coberto por rede de Internet, mas o objectivo da equipa liderada por Luciano Santos é chegar à totalidade do território.
Para manter o Riba de Âncora Digital em funcionamento a autarquia vê-se a obrigada a investir anualmente 2.500 euros, verba que sai totalmente dos cofres da junta, não beneficia de qualquer tipo de financiamento.
Em Abril deste ano eram cerca de três as dezenas de pessoas que utilizavam o serviço, mas Luciano Santos explica que o número reduzido se deve à pouca divulgação do projecto. Quando estiver "na boca do mundo", o autarca acredita que as adesões serão mais significativas. "Eu estou convencido que vamos ter uma forte adesão, porque o preço é competitivo e o serviço que as pessoas vão usufruir é o serviço básico necessário para utilizarem. Até para os jovens e adolescentes, dá perfeitamente para navegarem. Só não dá para fazerem downloads de músicas, mas isso também tem as suas regras", reforça.
Além dos mais jovens e do padre da freguesia, o Riba de Âncora Digital conta já com outros utilizadores de uma faixa etária mais elevada como é o exemplo de um professor reformado e de um professor universitário. Mas não só. "Sei que há muita gente que usa a internet para conversação com familiares que estão no estrangeiro. Mesmo pessoas mais simples que já têm filhos ou netos que as ajudam a utilizar", conta o autarca.
A Internet é apenas uma das ferramentas do "choque tecnológico" com que o Governo de José Sócrates prometeu, em 2005, abanar o país, modernizar o Estado e aumentar a produtividade e a formação dos portugueses. Ao longo dos últimos anos, a Internet tem-se tornado numa auto-estrada no relacionamentos dos portugueses com o Estado. Passou a ser possível enviar as declarações do IRS, IRC pela net, assim como pagar o imposto automóvel, entre outras funcionalidades. Basta uma palavra-passe e o contribuinte tem acesso à sua página, através da qual pode regularizar a sua situação contributiva.
Neste panorâma, quem hoje não consegue ligar um computador pode ser considerado um analfabeto. Já não basta saber ler e escrever.
Mas, dos quase 10 milhões de portugueses, quantos serão os utilizadores de Internet na ocidental pátria lusitana?
Segundo os dados disponíveis no estudo "10 anos de Internet em Portugal", realizado pela Marktest,e com dados actualizados, no nosso país apenas 46,6 por cento da população utiliza a Internet, uma média abaixo da europeia, que ronda os 50,4 por cento. O país europeu com mais utilizadores de Internet é a Holanda, com 87,8 por cento.
Em todo o mundo, de acordo com as estimativas do CIA World FactBook de 2008, são mais de mil milhões as pessoas que navegam no World Wide Web. O continente com mais adeptos é a Ásia, com 37,4 por cento de utilizadores, o que corresponde a cerca de 430 milhões de utilizadores. Segue-se a América com 29,2 por cento - 336 milhões de utilizadores-, e em terceiro lugar a Europa, com 25,2 por cento, o que corresponde a 290 milhões de utilizadores.
TOC...TOC...TOC... www.vatican.va...Manuel Oliveira não fala com o Papa através da Internet, mas aproveita-a para aceder ao site do Vaticano, através do qual consegue ficar a par das últimas daquele Estado.
Apesar de assíduo navegador, o padre admite que a "Internet é uma faca de dois gumes". "Pode trazer coisas muito boas - aproxima as pessoas, mesmo que estejam distantes, criam-se amizades -, mas está também a tornar-se muito perigosa, principalmente para aqueles que ainda não têm a formação da vida para se relacionarem com pessoas desconhecidas", avisa. "isto não pode ser uma auto-estrada onde se caminha à vontade. Tem de haver regras. Infelizmente, não temos grande legislação acerca desse assunto, mas esperemos que haja uma ceerta moderação na sua utilização, especialmente por parte das crianças", aconselha, rematando que a Internet tem "muitos prós e muitos contras".

Publicado por Susana Ramos Martins em 2008 no semanário O Caminhense

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