quarta-feira, 11 de março de 2009

Cérebros em fuga - Alto Minho revela-se incapaz de fixar população licenciada

A viver há vários anos em Barcelona, Marco Silva, natural da aldeia de Moledo, no concelho de Caminha, não pensa regressar a Portugal. O mesmo acontece com Filipe Bret, natural de Viana do Castelo, criado na vila de Caminha desde os três anos, a viver no Canadá, mas já a fazer as malas para se mudar para os Estados Unidos. Também Nuno Pinto, nascido e criado em Vila Praia de Âncora, diz que Portugal está fora dos seus planos.
Os três são exemplo da vaga de emigração de jovens licenciados que Portugal, e particularmente o distrito de Viana do Castelo, tem registado nos últimos anos. Falta de condições e de oportunidades de trabalho, aliadas à vontade de conhecer o mundo são as justificações dadas pelos emigrantes para o fenómeno.



Marco Silva, de 28 anos, trabalha no ramo dos seguros em Barcelona, a capital da Catalunha. Conheceu Espanha através do programa Erasmus quando ainda estava a tirar a licenciatura em Comunicação Social, na Universidade do Minho, em Braga. Assim que colocou os pés em Barcelona, Marco soube “de imediato” que era lá que queria viver e trabalhar. Por isso, confessa, ao acabar a licenciatura e verificar que as perspectivas de trabalho em Portugal não eram animadoras, rumou imediatamente a Espanha. Em terras de nuestros hermanos conseguiu, finalmente, a independência económica que tanto desejava e que Portugal não lhe permitia. “Não sei se vou ficar aqui para sempre, mas, de momento, não me quero mover”, revela, frisando que “Portugal está fora de questão”. “É uma terra fantástica e adoraria que a sociedade portuguesa saísse da crise psicológica em que se encontra, mas, honestamente, não me vejo a morar aí”.
Bem longe daqui vive Filipe Bret. Com 34 anos, licenciado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Filipe já conheceu o mundo graças à sua actividade profissional. Desde o início de 1999, já residiu em oito países e 11 cidades espalhadas pelo planeta. Impedido de exercer a sua actividade profissional no Alto Minho por falta de condições, também não pensa regressar a Portugal. E isto porque, do que lê na internet e das conversas que mantém com os pais, chega à conclusão que a sua região continua”linda”, mas que “pouco ou nada mudou” desde que a deixou. E já se passaram quase oito anos.
Tal como Filipe, Nuno Pinto, de 32 anos, é licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Universidade do Porto. A trabalhar na área das telecomunicações como freelancer, Nuno vive permanentemente “algures no mundo”, ao serviço das grandes empresas que operam no sector. “Quando uma empresa de telecomunicações necessita de alguém com experiência numa determinada área para um projecto com duração limitada, em vez de contratarem um empregado a tempo inteiro, que ficaria redundante no final do projecto, contratam alguém como eu por apenas alguns meses”, explica. A saída de Portugal ficou a dever-se à impossibilidade de exercer a sua profissão na região onde nasceu, mas, sobretudo, à vontade de conhecer e “sentir” a vida dos outros países.
Os testemunhos dos três jovens reflectem um fenómeno que se está a viver no distrito de Viana do Castelo, mas sobre o qual não há estudos ou dados que o espelhem. O que se sabe, e se constata no dia-a-dia, é que o Alto Minho é uma região de litoral, mas com índices de desenvolvimento semelhantes a uma qualquer região do interior do país. A sua população está a envelhecer a um ritmo acelerado e dos jovens que existem poucos são os que apostam nos estudos superiores: apenas 30%. E os que apostam não vêem esse investimento reconhecido pelos empresários locais, que preferem investir em mão-de-obra pouco qualificada e pagar baixos salários. Por isso, os jovens qualificados são obrigados a procurar outras oportunidades fora de portas, onde o mercado de trabalho permite que os melhores brilhem.

Um quarto dos licenciados emigra

Mas se em Portugal o fenómeno não é estudado, o Banco Mundial, através do relatório “International Migration, Remittances and the Brain Drain”, revelou no ano passado dados que apontam para uma fuga do país de 25% dos seus licenciados. É exactamente um quinto da população que trabalha no estrangeiro, sendo que, segundo o relatório apresentado no final de Outubro de 2005, Portugal é o país europeu, com mais de 5 milhões de habitantes, mais afectado pela saída de licenciados e de quadros técnicos. O fenómeno foi designado de “fuga de cérebros”. Ao contrário da vaga de emigração que se verificou em Portugal nos anos 50/60, em que a mão-de-obra que saia era maioritariamente muito pouco qualificada, agora são os que mais estudam que se vêem obrigados a procurar trabalho no exterior.
De acordo com os estudiosos do fenómeno, os países que perdem a mão-de-obra qualificada perdem, simultaneamente, os elementos melhor preparados para melhorar os índices de desenvolvimento económico e social.
Segundo o Banco Mundial, esta “fuga de cérebros” afecta, sobretudo, os países mais pobre que, assim, enfrentam uma maior debilidade estrutural.
Um cenário que é visível no Alto Minho. O presidente da Associação Empresarial de Viana do Castelo (AEVC), Joaquim Ribeiro, lamenta que a região “não tenha conseguido aguentar o desenvolvimento”. A cidade de Viana já foi capital de uma região rica, mas a actualidade é bem diferente. O comércio e o turismo são os principais sectores de actividade onde trabalham, na maioria, pessoas com poucas qualificações. Joaquim Ribeiro lamenta que assim seja e que, assim, se perca “todo o dinheiro gasto com a formação dos jovens licenciados”. “Se nós não os conseguimos reter aqui é dinheiro que não foi um investimento, é um gasto”, justifica.
O impacto da fuga destes jovens para outros países ou até mesmo para outras cidades do país, provoca negativo no “desenvolvimento da região”.
Ciente de que “ninguém conhece nada” sobre a realidade dos licenciados naturais do distrito, mas que estão a exercer as suas profissões em outros locais, o presidente da AEVC pediu ao Instituto Politécnico de Viana do Castelo e à Universidade do Minho que fosse realizado um estudo sobre o problema, mas até à data não obteve qualquer resposta ao pedido. “Nós já pedimos isso há muito tempo”, recorda, lamentando que exista “uma inércia muito grande”. Apesar de não haver dados referentes ao distrito, o INE (Instituto Nacional de Estatística) realizou em 2003 um estudo referente “aos movimentos migratórios de saída” revela que são os homens que mais emigram, apesar de não revelar as idades e o grau de qualificação. Os destinos mais procurados em 2003 eram a Alemanha, a Espanha e a França.
Quem diz também não ter quaisquer números sobre a emigração dos jovens licenciados portugueses é o representante do Governo no distrito. O Governador Civil Pita Guerreiro adianta, contudo, que “a emigração dos recursos humanos qualificados de qualquer país, e ainda para mais de um país que tem uma taxa de natalidade baixíssima como o nosso, representa sempre um prejuízo grave”.
O responsável pela delegação de Viana do Castelo do IPJ (Instituto Português da Juventude), Fernando Cabodeira, tem uma visão diferente das coisas. Considera normal a emigração dos licenciados, até porque “dentro do espaço europeu há liberdade para qualquer jovem português sair para qualquer outro pais da União Europeia, assim como o contrário também acontece”. E o IPJ está a dar uma mãozinha a esta onda de emigração juvenil, através da realização de cursos de espanhol. “O IPJ está a disponibilizar aos jovens instrumentos para que possam fazer esse ciclo de vida que é, por exemplo, quando rumam a Espanha”, explica. No entanto, Cabodeira diz acreditar que “com o desenvolvimento da indústria e de outros sectores de actividade no nosso país num futuro próximo a situação poderá inverter-se, ou seja, estancar a fuga dos nossos jovens para o estrangeiro”.
Opinião diferente tem o presidente da ACIVAC (Associação Comercial e Industrial dos Vales do Âncora e Coura). José Luís Afonso considera que a emigração dos jovens, nomeadamente dos do concelho de Caminha onde aquela associação tem a sua área de actuação, tem “um impacto negativo” porque “não ajudam ao crescimento e ao desenvolvimento social e económico do município”. “Vemos isso com alguma apreensão”, confessa, afirmando que a ACIVAC gostava de ser interlocutora “no que diz respeito à ajuda que pudesse ser dada a esses jovens de forma a que eles se fixassem no nosso concelho”. “Isto terá de ser um trabalho feito pelas associações empresariais, pelas autarquias, pelo Instituto de Emprego, permitindo que os jovens tenham mais formação e consigam ser empreendedores e capazes de trazer alguma inovação no que diz respeito às novas tecnologias e possam criar o seu meio de subsistência, criando a sua própria empresa”, explica.
Enquanto isso não acontece, são cada vez mais os jovens, sobretudo os licenciados, que rumam a outros países. Só no concelho de Caminha, toda a gente tem vários amigos ou conhecidos que estão a trabalhar no estrangeiros, onde, na sua maioria, exercem cargos e funções que em Portugal seria impensável. Talvez porque o factor “C” ainda seja determinante no mercado de trabalho português.


Reportagem publicada por Susana Ramos Martins em O Caminhense em 2006

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