domingo, 9 de janeiro de 2011

Serra d´Arga Uma montanha sagrada à espera de protecção

É um dos próximos desafios de várias autarquias do Alto Minho. Acrescentar ao extenso território já protegido da região a serra d"Arga, uma montanha mística, com valores naturais e culturais que poucos, no país, conhecem. E que os locais querem divulgar

Terra de lendas de grandes amores, de santas a quem as mulheres estéreis entregam frangas na esperança de virem a ter filhos. Montanha sagrada, de promessas, de esmolas ao santo e ao diabo. Terra de agricultores que atrai artistas e até uma ex-ministra às suas paisagens onde as cascatas ainda correm, naturais. Terra alta, mas com o mar ao lado e neve no Inverno. Esta união de contrastes é a serra d"Arga. Com os seus 823 metros de altitude, separa os concelhos de Vila Nova de Cerveira, Caminha, Viana do Castelo e Ponte de Lima, no Alto Minho. E une-os, numa nova motivação: vê-la classificada como parque natural.


"É bonita a nossa terra, não é?" A pergunta é feita por uma de duas idosas que param para ver o grupo de caminheiros que percorre um trilho. As duas mulheres representam bem o espírito aberto das cerca de 175 pessoas, na maioria idosos, que vivem nas três únicas aldeias da serra d"Arga: Arga de São João, Arga de Baixo e Arga de Cima, todas elas no concelho de Caminha. Ali poucas são as crianças - as escolas primárias encerraram -, poucos são os jovens, poucas são as pessoas com quem conversar. Nas três aldeias há um único café-mercearia, que nem sempre está aberto, o padeiro não passa todos os dias e o peixeiro apenas três vezes por semana. Algumas das juntas de freguesia são governadas à distância por presidentes eleitos de braço no ar que residem, grande parte do ano, em Lisboa, para onde migrou grande parte da população em idade activa.

Perto, mas desconhecida

Localizado a apenas dez quilómetros dos grandes aglomerados habitacionais do litoral, a menos de uma hora, por auto-estrada, do Porto e outro tanto de Vigo, estranhamente este património cultural e ambiental ainda não foi "descoberto" pelos turistas, se descontarmos os muitos que, no final de Agosto, sobem a montanha para festejar o S. de Arga com os locais. Mas o número de visitantes tem crescido. Segundo os números do CISA (Centro de Interpretação da Serra d"Arga), só no ano passado 1800 pessoas procuraram aquele equipamento para orientação numa visita à serra. É para aumentar, de forma sustentável, o afluxo de turistas, preservando o património antes que seja demasiado tarde, que as autarquias locais decidiram avançar com a classificação daquele território com 4500 hectares.

"O objectivo é rentabilizar aquele espaço do ponto de vista ambiental, rural e do turismo de natureza", explica Vítor Mendes. Segundo o presidente da Câmara de Ponte de Lima, que lançou o repto aos outros autarcas, depois de classificada, a serra d"Arga passará a integrar uma rede composta pelas restantes áreas protegidas do distrito de Viana do Castelo: Lagoas de Bertiandos e de São Pedro de Arcos, em Ponte de Lima, Corno do Bico em Paredes de Coura e o Parque Nacional da Peneda Gerês. "Podemos ter aquilo que não existe no resto do país, que é um grupo de áreas protegidas de grande valor ambiental", frisa o autarca.

O objectivo é assumido como um empenho claro no desenvolvimento sustentado de um turismo de natureza, a grande aposta da região para os próximos anos. O processo de classificação está em fase de estudo. Assim que este estiver concluído, terá de contar com o parecer positivo do Ministério do Ambiente e das assembleias municipais. Se a luz verde surgir, as quatro autarquias contam, ainda este ano, avançar com a criação da Área de Paisagem Protegida da Serra d"Arga.

Agro, chamou-lhe Eulália

A população não vai ficar à margem, garante Vítor Mendes, que acredita que esta nova área de paisagem protegida vai servir para "beneficiar" a economia local: "O que nós queremos é que a população trabalhe nas actividades rurais que possam criar postos de trabalho e gerar riqueza." E é isso que espera, por seu lado, o vice-presidente da Câmara de Caminha, Flamiano Martins, que quer preservar também o orgulho, a vontade que população mantém de viver na serra e conseguir, desta forma, reconquistar os jovens que partiram.

A geração de riqueza através de um desenvolvimento sustentado é a grande meta deste projecto de classificação ambiental. O mesmo vem tentando há já alguns anos o pintor Mário Rocha. Com a sua Arte na Leira - mostra com os mais variados estilos de arte expostos no meio do campo - tem levado centenas de artistas, alguns deles consagrados, à serra d"Arga, publicitando, dessa forma, o local e as suas potencialidades. Um dos festivais chegou a ser inaugurado pela ministra da Cultura de então, Isabel Pires de Lima, que acabou a comprar uma casa para aqui passar os fins-de-semana.

Para além da natureza quase intacta e da ruralidade típica das aldeias de montanha, a serra esconde algo mais: um misticismo em que muitos acreditam. Francisco Sampaio, um etnógrafo que durante duas décadas dirigiu a Região de Turismo do Alto Minho, lembra que corre de boca em boca e até na literatura, como em A Casa Grande de Romarigães, de Aquilino Ribeiro, que "as pessoas que não têm filhos conseguirão procriar se andarem pela serra, porque aquela montanha sagrada é fértil". Não por acaso, Eulália, uma lendária princesa, chamou Agro a esta "esplendorosa e próspera terra" onde se refugiou para defender o seu amor.

Publicado por Susana Ramos Martins na edição de 9 de Janeiro de 2011 do jornal Público

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