sexta-feira, 22 de julho de 2011

Sagrado e profano em Arcos de Valdevez



“Dar a conhecer o trabalho das Misericórdias que, por vezes, não é conhecido”. Foi com este objectivo que Francisco Ribeiro da Silva abriu as II Jornadas de Estudos da Misericórdia de Arcos de Valdevez – do Sagrado ao Profano, que decorreram na Casa das Artes no dia 4 de Junho. Estudiosos e elementos de Santas Casas da Misericórdia de todo o país marcaram presença para conhecerem o trabalho realizado por aquelas entidades ao serviço das populações locais e da preservação de usos, costumes e tradições.

Como moderador do primeiro painel de Comunicações e debates, Francisco Ribeiro da Silva lembrou que as Misericórdias são instituições muito antigas – a primeira terá surgido em 1488, pelo que a população deverá “ter consciência da importância enorme que elas desempenharam, desempenham e vão desempenhar”. “A matriz que está na origem do trabalho das Misericórdias é eterna: as carências sociais”.

Trabalho que foi recordado em Arcos de Valdevez, através das diversas intervenções, como a de Joel Cleto que apresentou “As festas do senhor de Matosinhos: suas origens, evolução e o papel da Misericórdia de Matosinhos”. O historiador deu a conhecer o trabalho realizado pela Misericórdia de Matosinhos (outrora Confraria do Bom Jesus de Matosinhos) na organização e manutenção de uma festa que actualmente recebe mais de 1 milhão de pessoas e cujas primeiras referêrncias datam de 1666. Durante o século XX houve um processo de “municipalização” das festas, mas a Misericórdia mantem-se ligada à organização da romaria.

Uma festa com características particulares era a de Nossa Senhora do Carmo, em Ponte de Lima, durante o período setecentista. Um estudo, apresentado pelo historiador António Barbosa, procurou focalizar o trabalho desenvolvido pela irmandade de Nossa Senhora do Carmo na organização da festa com o mesmo nome. Era uma festividade sem qualquer manifestação profana, indo, assim, de encontro à forma de estar da irmandade, que obrigava os seus membros a “uma vida exemplar, sem vícios”.

Estas jornadas organizadas pela Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez também serviram para perceber o trabalho daquela entidade ao longo dos tempos. Essa tarefa esteve a cabo de Odete Ramos que apresentou um trabalho sobre “o Calvário e a Semana santa na Misericórdia de Arcos de Valdevez. Analisando o periodo entre 1774 e 1784, a estudiosa procurou mostrar a organização e despesa com as festividades da Semana Santa e expor como o efémero deu lugar ao perpétuo aquando da decisão de construir um calvário definitivo na igreja matriz da vila. “As celebrações da Semana Santa eram as mais importantes em Arcos de Valdevez e as que mais despesas faziam”, explicou Odete Ramos.

“As quarenta horas do Entrudo na Misericórdia de Penafiel entre os séculos XVII e XIX” foram analisadas por Paula Fernandes , que fez saber que a participação da instituição nas festividades estava imbuída de uma manifestação de “força, pujança, organização e poder”.

As festas não se realizam e não se realizavam só nos templos religiosos no século XIX. Alexandra Esteves, doutorada em História Contemporânea pela Universidade do Minho, apresentou “A festa entre grades: os presos enquanto protagonistas de celebrações no distrito de Viana do Castelo no séc. XIX”. Uma análise sobre a forma como os reclusos viviam há dois séculos num estabelecimento prisional do Alto Minho.

As últimas apresentações debruçaram-se sobre o trabalho das Misericórdias de Viana do Castelo e de Ponte de Lima. “A festa dos Santos na Misericórdia de Ponte de Lima (séculos XVII e XVIII), por Maria Lobo de Araújo e “Os tempos de festa na Misericórdia de Viana da Foz do Lima: celebrar a fé e engrandecer a irmandadde (séculos XVI-XVIII)”, um estudo apresentado por António Magalhães, que resumiu, no seu trabalho, tudo o que estas jornadas procuraram demonstar: “os tempos de festa assumiam na idade Moderna uma importância fundamental na actividade das Misericórdias”. “As celebrações religiosas não se esgotavam no seu objectivo primário, constituindo-se igualmente como manifestações evidentes da importância que se atribuía a todos os actos que pudessem contribuir para elevar o capital de notoriedade local da confraria e, consequentemente, dos seus membros. Internamente, contribuiam para potenciar a coesão do grupo, visando irmanar todos os membros num mesmo objectivo comum”.


Imagens eternizam trabalho da Misericórdia


Rostos sérios, a preto e branco. 43 fotografias penduradas na sala de exposições da Casa das Artes, em Arcos de Valdevez, sob o tema “a festa: manifestações do sagrado e do profano” revelam alguns dos mais importantes momentos de devoção religiosa levados a cabo pela Santa Casa da Misericórdia local: a cerimónia de reabertura da igreja de Santa Clara; a reedição da festa da Senhora da Porta e a procissão da quinta-feira santa.
As obras, expostas durante a segunda edição das Jornadas de Estudos da Misericórdia de Arcos de Valdevez, realizadas a 4 de Junho, são da autoria de Eduardo Pimenta. Um fotógrafo local, de 52 anos, 38 deles dedicados à captura eterna de imagens.

Os registos expostos mostraram eventos realizados nos anos 2010/2011 onde os momentos de fé e devoção da população local tornaram-se eternos.

“olha, aquela não é a Manuela”, perguntava uma das visitantes da exposição, na manhã da sua inauguração, presidida pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia local. Para Francisco Araújo, a arte de Eduardo Pimenta permite “captar vivências”. Vivências recuperadas pela instituição a que preside, como é o caso da romaria da Senhora da Porta, que há mais de um século não era realizada, tendo sido a festa recuperada em 2010.



Provedor da Santa Casa da Misericórdia aplaude trabalho que permite “viver a memória no presente”

Com mais de quatro séculos de trabalho de apoio aos mais desfavorecidos e com “um rico acervo documental”, a Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez considera “importante” recuperar a componente cultural das suas gentes. Palavras do provedor da instituição, Francisco Araújo, na cerimónia de abertura das II Jornadas de Estudos. “A Santa Casa da Misericórdia teve um papel primordial na história deste concelho (Arcos de Valdevez), marcou as vivências da comunidade onde está inserida e, por isso, é com interesse que vemos acções como estas jornadas”, justificou

O provedor dirigiu uma palavra especial a Lúcia Afonso, responsável pela organização do evento, quem, segundo Francisco Araújo, “tem conseguido que se viva a história e a memória no presente”.

Para o provedor, a segunda edição das Jornadas significou “uma maior divulgação daquilo que é o trabalho das Misericórdias”.


Publicado por Susana Ramos Martins na edição de Junho de 2011 do jornal Voz das Misericórdias

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