sexta-feira, 4 de março de 2011

Apaixonados aos 80 anos

Fevereiro é o mês do amor e o Voz das Misericórdias descobriu um casal que faz qualquer adolescente ficar com inveja, tais são as demonstrações constantes de carinho. Clarice e Agostinho vivem no lar de idosos da Misericórdia de Caminha. Conheceram-se por acaso, foi amor à primeira vista e aos 80 e muitos dizem continuar apaixonados e felizes.


O cupido, quando atira a seta, não tem um alvo, acerta em quem acertar. E a verdade é que pode atingir qualquer um. O amor não escolhe idade, condição social, cor ou religião. Prova disso é o casal formado por Clarice Pereira e Agostinho Aparício. Ela com 81, ele com 86 anos. A troca de olhares enternecidos e de gestos de ternura é uma constante entre os dois.
Foi amor à primeira vista! Conheceram-se há mais de 20 anos - já os dois eram viúvos e tinham ultrapassado a barreira dos 60 - numa estação de comboios de Lisboa. Quando, num diz feliz, Clarice esperava pelo transporte na estação de Paço de Arcos, o seu olhar cruzou-se com o de Agostinho. Ambos sorriram. Ele foi o mais atrevido e, encantado com aquela “jovem”, decidiu meter conversa: “tu és um borrachinho que não és de perder”. Ela não se fez rogada e respondeu-lhe à letra: “tu também és jeitoso e bonitinho”.
“Foi um encontro bonito, graças a Deus”, dizem em unissono. A sintonia, que se mantém até hoje, foi imediata. Conversaram muito e nunca  mais se largaram. De tal forma que, decididos a viver plenamente aquele amor, ao fim de três meses de namoro fizeram como os mais novos e foram viver juntos. Apenas não casaram por questões financeiras. “Ela perderia a reforma do marido”, explica Agostinho. “Temos tido uma boa vida. Ele tem correspondido às minhas expectativas”, admite a “jovem” apaixonada.

Vidas passadas

Os segredos de uma relação já eram conhecidos dos dois quando mergulharam nesta “aventura”. Viúvos e sem filhos, ambos caram com outras pessoas na juventude.
Clarice, natural de Vila Praia de Âncora, casou aos 25 anos com um jovem do vale do Âncora – já não se recorda nem do nome, nem da freguesia dele – que não a largava. “Andava só atrás de mim”, confessa algo vaidosa. “O casamento durou ainda uns aninhos – mais de 25 -, mas depois ele faleceu”. Foi quando começou a passar longas temporadas na casa de uma irmã e de uma sobrinha, em Lisboa.
Pela grande zona urbana da capital andava também Agostinho. Casou também jovem com uma rapariga da sua terra, mas foi na CUF do Barreiro onde arranjou emprego. Durante 35 anos dedicou-se a um trabalho duro, que lhe deixou marcas na voz. Também ele enviuvou e passou a frequentar a casa familiares em Lisboa.

O amor paira no ar

“Ele é muito bom, é muito meu amigio, olha por mim e também é um borrachinho”: Não! As palavras não saem da boca de uma adolescente. É mesmo Clarice Pereira quem as profere ao descrever as qualidades do seu companheiro.
Agostinho retribui: “é muito boa rapariguinha, é séria e bonita”.
Estas são as qualidades que os mantêm juntos ao fim de 20 e muitos anos, porque “a velhice acompanhada é muito melhor”.
O amor, explicam, é como uma frágil flor: é preciso cuidá-la todos os dias. Talvez seja esse o sucesso desta relação. Este e outros, como desvenda o casal: “antes de casarem ou de se juntarem, devem pensar primeiro no que vão fazer”. “O amor é importante, mas não faz a relação durar. É preciso sabermos viver com uma pessoa e respeitá-la para sermos respeitados”.


O ninho de amor

Clarice e Agostinho vivem há três anos no lar Santa Rita de Cássia, da Santa Casa da Misericórdia de Caminha e não poupam elogios à instituição. Instalados num quarto que não deixa atrás qualquer habitação de um hotel, revelam que há muito que sonhavam ali viver. As comodidades, explicam, são muitas: têm médico e enfermeiro sempre prontos para os atenderem, aulas de ginásticas, passeios - “e que belos passeios temos dados”, sublinha Agostinho -, casa aquecida e comida que, como enfatiza Clarice, “nunca falta”.
Para trás ficou a vida em apartamentos com escadas que já custavam subir e com uma alimentação que já era feita com dificuldades, pois custava-lhes transportar as coisas para casa.
Há três anos, mudaram-se definitivamente para o lar e dizem que foi a melhor decisão que tomaram. Compartilham quarto com casa-debanho privativa, têm sempre alguém que os ajuda a tomar banho e até para lhes faz companhia quando precisam sair. Siatudo em Vila Praia de Âncora, o lar de idosos de Santa Rita tem capacidade para 35 utentes, estando equipado com 21 quartos. Possui ainda uma sala de conmvívio, uma sala de estar, um refeitóruio para os utentes e uma capela no rés-do-chão.
E não falta comida, como dizia Clarice, que lembra agora que são horas do lanche e, por isso, despede-se com um beijinho. É que o amor é muito bonito, mas outras prioridades se impõem.


Publicado por Susana Ramos Martins na edição de Fevereiro de 2011 do Voz das Misericórdias

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