quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Beleza americana ameaça fauna e outros recursos naturais do Norte

Chegou à Europa pela mão do homem e com fraco destino: basicamente, servir de casaco de peles. Hoje o vison americano é um problema europeu. Disputa o alimento de espécies já ameaçadas, como a lontra ou o toirão, e ainda ameaça procriar com elas, misturando o património genético.

Por Susana Ramos Martins (textos)


Em última análise, a culpa será da vaidade de quem vê nestes casacos de pele uma manifestação de luxo e beleza. Terá sido a indústria que produz animais para a utilização das suas peles a responsável pela introdução “acidental”, em Portugal, de uma espécie exótica que está a colocar em risco alguns recursos marinhos e a sobrevivência de animais que até já tinham o estatuto de espécie ameaçada. Há mais de duas décadas que o vison americano, uma espécie invasora proveniente da América do Norte, prolifera em território nacional sem qualquer tipo de controlo.

Alguns biólogos portugueses já estudaram este pequeno carnívoro (mustela vison), mas só no ano passado arrancou o projecto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia que tem por objectivo a caracterização da espécie e da forma como vive em Portugal. Designado Dilema-Espécies invasoras e dilemas de conservação: efeito dos competidores nativos e presas exóticas na dispersão do visão-americano [outra grafia admissível] em Portugal, o estudo, a decorrer até 2012, está a ser realizado pelo Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

É coordenado por Margarida Santos Reis que espera ver, após os resultados, implementadas acções para o “controlo das populações invasoras”. Apesar do trabalho em curso, a bióloga considera que “há muito que se deveria ter começado a actuar, até porque a situação estava muito confinada ao canto Noroeste do país”. “Temo que, na actualidade, já seja difícil inverter o processo, cujas consequências ainda estão por averiguar”, adverte. O vison americano tem sido alvo de medidas de erradicação em muitos países europeus, por se reconhecer – segundo Margarida Santos-Reis – “o seu impacto na biodiversidade

nativa”.

Avistado no Grande Porto

Acredita-se-se que o vison americano foi introduzido em Portugal no final da década de 80. Segundo biólogos espanhóis (Vidal Figueroa & Delibes, 1987), esta introdução terá ocorrido de forma acidental, com os animais a fugirem de uma quinta de criação em Valença. Os primeiros visons americanos em liberdade no território nacional foram detectados no rio Minho, junto à fronteira com a Galiza.

“É um animal muito cobiçado, por causa da sua pele”, explica ao PÚBLICO o zoólogo terrestre Hugo Costa, que estudou a espécie. Foi para dar resposta à procura intensa de casacos de pele de vison por parte da indústria da moda, que o vison americano foi introduzido na Europa, para ser produzido em larga escala em quintas. Estes locais revelaram não ser à prova de fuga, estando já este invasor espalhado por vários países do continente europeu, mas com maior incidência em Espanha, Rússia e países bálticos, colocando em risco algumas espécies endógenas e até em recursos marinhos (o que, nos próximos anos, poderá ter impacto nas pescas).

O animal, com hábitos semi-aquáticos, que vive tanto em ambientes de água doce como de água salgada, rapidamente entrou também em expansão em Portugal, tendo sido já detectada a sua presença no litoral do Grande Porto, no Gerês e no Tua.

“Nós até lhes temos um certo carinho”, confessa o pescador Vasco Presa, que convive diariamente com o vison americano no portinho de Vila Praia de Âncora. O animal foi detectado pela primeira vez naquelas paragens há cerca de três anos e por ali tem andado graciosamente, procriando e convivendo com a população, que revela grande desconhecimento sobre este carnívoro. Ana Dantas, uma moradora da zona, conta, por exemplo, que há dois anos estava numa zona rochosa da praia quando deu de caras com dois indivíduos da espécie que a deixaram intrigada, por nunca ter visto semelhante animal.

Esta aparente ausência de receio do vison americano perante o ser humano é explicada por Francisco Álvares, biólogo do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto, com o facto de o bicho nunca ter sido perseguido em território nacional. “O visão-americano é um animal que a maioria dos portugueses não conhece. Mesmo quando o vêem, olham para ele e não sabem o que é”.

Come ratos e camarões

Vasco Presa é uma das raras excepções. Conhece a espécie, sabe que é com a pele do vison americano, com um pêlo escuro e brilhante, que se fazem casacos que o mercado incensa, mas nada disso lhe interessa, porque o animal não lhe perturba a vida. “Apenas caça uns camarões no portinho e come alguns ratos”, conta o pescador. Nada que incomode os homens do mar. Por enquanto!

O zoólogo Hugo Costa explica que o vison americano compete com espécies nativas, algumas delas já ameaçadas, mesmo antes da entrada deste animal exótico ter sido introduzido no seu habitat. O toirão e a lontra, que disputam o mesmo território do vison e que têm características físicas muito semelhantes, são aquelas que se encontram na situação de maior risco. “Em termos de consumo de recursos alimentares, de anfíbios e de pequenos mamíferos, o vison americano acaba por ser um predador adicional à nossa fauna, que vai acabar por comer aqueles pequenos animais todos”, sublinha o zoólogo, que classifica esta situação como verdadeiramente “problemática”. “Se a população de visons americanos crescer muito, pode diminuir a de algumas comunidades de anfíbios e de micromamíferos”, argumenta. O biólogo Francisco Álvares corrobora: “Como qualquer espécie exótica que entra no ambiente que não é o seu, tem sempre impactos, mais que não seja ao nível da competição”.

Má reputação

Segundo documentos do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), o vison americano tem efeitos negativos sobre as actividades cinegéticas, a pesca desportiva e as explorações avícolas. O ICNB, que tem a espécie identifi cada como “não indígena invasora”, aponta também alguns impactos económicos negativos: “Em pisciculturas, o visão-americano tem provocado sérios prejuízos nalguns países da Europa, tais como a Islândia, a Suécia, a Inglaterra, a Dinamarca, a Polónia e a Alemanha”. O vison americano foi incluído na lista das espécies que mais ameaçam a biodiversidade na Europa e na lista das 20 espécies exóticas invasoras mais perigosas de Espanha, onde ameaça um “irmão”, o vison europeu, este sim uma espécie nativa.



Riscos de hibridação com lontras e toirões

Será o vison americano a arma ideal para travar o lagostim-vermelho que prolifera no Sado e Guadiana?

O vison americano é uma ameaça, asseguram os biólogos ouvidos pelo PÚBLICO, sobretudo para as espécies nativas com quem partilha o território. Mas poderá ser também - e esta é a boa notícia - a solução para um outro invasor: o lagostim-vermelho americano (procambarus clarkii).

Esta hipótese é apontada por Margarida Santos Reis, que está a coordenar um estudo nacional sobre o vison americano, e também por Francisco Álvares, do Cibio da Universidade do Porto.

O lagostim-vermelho é outro invasor oriundo do continente americano que terá chegado a Portugal através de Espanha e dos recursos hídricos comuns aos dois países. Segundo o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), esta espécie exótica está presente em todas as grandes bacias hidrográficas, com maior expressão nas bacias dos rios Guadiana e Sado.

“O vison americano poderá ter um impacto benéfi co a ajudar a controlar o lagostim-vermelho, já que são espécies da mesma origem geográfi ca, devem estar habituados um com o outro”, vaticina Francisco Álvares do Cibio da Universidade do Porto. Margarida Santos Reis explica que o lagostim-vermelho americano é uma presa para o vison americano.

Mas esta é uma solução perigosa, porque, tal como os próprios biólogos já admitiram, a introdução de um animal num habitat que não é o seu provoca sempre impactos negativos. Sendo o lagostim também presa da lontra, que habita os mesmos locais que o vison americano começa a ocupar, o risco de hibridação é latente, sobretudo com a lontra e o toirão, também eles mustelídeos. “Se hibridar com o toirão, por exemplo, está-se a perder o património genético de uma espécie ameaçada”, alerta Francisco Álvares, sublinhando que este é um processo de “poluição genética do património de uma espécie”.

Até ao momento não há registo desse fenómeno em Portugal (hibridação é o cruzamento de indivíduos de raças ou espécies diferentes), mas em Espanha, com receio de que a hibridação possa ocorrer com o vison europeu (que não existe em território português), adoptou-se como estratégia radical de prevenção a erradicação da ameaça.

No País Basco, várias entidades públicas uniram esforços e realizaram um estudo no rio Viscaia, cujos resultados serviram de base de cálculo para a eliminação do vison americano em todo o território espanhol. A captura de cada animal através de armadilhas teve um custo estimado de 1450 euros. Assim, os investigadores concluíram que a erradicação da espécie exótica é possível com um custo estimado que pode variar entre 1,6 e 5,6 milhões de euros. Em toda a Península Ibérica, e de acordo com este estudo que foi divulgado no corrente ano, a erradicação da espécie teria um custo estimado de 11 milhões de euros.

Pouca atenção

Em Portugal, a espécie não tem merecido grande preocupação por parte das autoridades. O Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, que tem o vison americano catalogado como espécie “não indígena invasora”, cita, ainda assim, a abordagem holística na gestão do animal, envolvendo a sua “remoção, restauração do habitat e introdução dos competidores nativos” proposta por Macdonald & Harrington (2003). Os mesmos autores afi rmam que “o custo desta operação em larga escala pode ser proibitivo, mas o método tem tido muito sucesso em Inglaterra, na Bielorrússsia e na Estónia (onde foi erradicado)”. Mas é tudo. Apenas citações de autores estrangeiros que estudaram este mustelídeo. Um plano de erradicação próprio ou uma outra solução de controlo do vison americano não são conhecidos.

Margarida Santos Reis desconhece a razão pela qual as autoridades nacionais com competência na conservação da natureza “não se interessaram” por esta espécie, nem por que esta “não despertou o interesse da comunidade científi ca local”. A investigadora lembra que este vison vindo do outro lado do Atlântico tem sido objecto de estudos em vários países europeus, por se reconhecer o seu impacto na biodiversidade nativa. A coordenadora do estudo nacional financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia sobre o visão-americano espera que esta situação mude em Portugal, quando forem conhecidos os resultados da investigação que dirige.



Fugas do cativeiro

Defensores dos animais terão ajudado a disseminar problema

Em Portugal há apenas uma empresa a produzir o vison americano em cativeiro para abastecer o mercado. É a Cândido & Pires-Vison de Valença, Lda, fundada há mais de três décadas, à qual o PÚBLICO pediu autorização para visitar as instalações onde os animais são criados. Um dos administradores, contudo, indeferiu o pedido de visita à exploração, alegando que, no passado, esta empresa do Alto Minho já tivera “muitos problemas” com jornalistas.

Francisco Álvares não é jornalista e, na década de 90, teve oportunidade de visitar esta e outras explorações galegas que produzem o vison americano de forma intensiva. Biólogo do Centro de Investigação em Biodiversidade de Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto, Francisco Álvares descreve um cenário onde o animal subsiste em “condições bastante más”. “Estão metidos em jaulas sem quaisquer condições e de onde é fácil escaparem”, comenta, explicando assim a forma como esta espécie exótica terá ganho a liberdade em Portugal. O vison americano terá escapado, segundo biólogos espanhóis, de uma quinta de produção portuguesa, localizada em Valença, nos finais da década de 80, tendo sido assim introduzido de forma “acidental” no meio ambiente.

Noutros países, foram os defensores dos direitos dos animais os responsáveis pela libertação do vison americano. Em Agosto de 2009, a Grécia entrou em choque quando cerca de seis mil destes animais escaparam do cativeiro, na cidade de Kizani. As autoridades, apesar de não terem provas, afirmaram, na altura, suspeitar de uma acção levada a cabo por activistas dos direitos dos animais. Os biólogos deitaram as mãos à cabeça com o impacto desta fuga no ecossistema local, os criadores queixaram-se de prejuízos de cerca de 350 mil euros.

Estes valores não surpreendem, dada a procura pela pele deste animal, seja o vison americano seja o vison europeu – a espécie nativa do velho continente, que não existe em Portugal, tem um pêlo mais claro. Conhecida por ser quente, impermeável, durável e leve, esta pele é um material cobiçado no mundo da moda. Na Internet, é fácil encontrar casacos de vison à venda por mais de cinco mil euros.



Publicado por Susana Ramos Martins na edição de 20 de Novembro de 2011 do PÚBLICO

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