sexta-feira, 5 de março de 2010

Arte na Leira

Maria Dorinda do Marco apanha palha para os animais indiferente à multidão e ao calor que se faz sentir no final daquela tarde de Julho. Já não estranha os forasteiros que desde há oito anos, durante os meses de Julho e Agosto, rumam à freguesia de Arga de Baixo, no concelho de Caminha, para verem - imagine-se! - obras de arte expostas em pleno campo. Vizinha do pintor Mário Rocha, o autor da iniciativa Arte na Leira, Dorinda acha até graça à animação gerada à volta do evento, numa terra onde quase nada acontece.

Ela e outros três habitantes da aldeia são este ano o centro das atenções da mostra. Aparecem retratados em quatro grandes telas. Uma homenagem de Mário Rocha aos habitantes de Arga de Baixo que o acolheram de braços abertos quando escolheu a Casa do Marco – chama-se assim porque ali existe um marco que divide as aldeias de Arga de Baixo e Arga de Cima - como o local de eleição para as férias e fins-de-semana. “Eu queria que eles entendessem a homenagem que eu lhes queria fazer e, por isso, tinha de ser uma pintura menos complicada, mais directa, para eles conseguirem ver lá qualquer coisa”, explica. Dorinda já viu o resultado final, mas não se achou “nada parecida”.
Além do retrato daquela aldeã, cerca de sete dezenas de trabalhos estão expostos até ao dia 6 de Agosto na Casa do Marco. Podem ver-se vários estilos de arte: pintura, escultura, cerâmica, desenho, ourivesaria, vidro e até arte na mesa. É uma das novidades deste ano que surpreende os visitantes. O chefe Marcos Gomes, que já trabalhou nas cozinhas de vários hotéis de cinco estrelas, faz com a comida verdadeiras obras de arte que podem ser apreciadas nesta Arte na Leira.
Outro dos destaques é o trabalho de 27 jovens artistas. São alunos do agrupamento de artes da EB2,3 S de Caminha, do IES A Sangriña, de A Guarda (Espanha) e do Externato Senhora do Carmo, da Lousada. A qualidade dos trabalhos surpreende os visitantes. “É uma aposta na juventude”, afirma o organizador da Arte na Leira, para que “daqui a uns anos os jovens peguem nisto e façam eles a exposição”.
Uma iniciativa que custa, anualmente, cerca de 40 mil euros. O apoio de privados é, por isso, essencial, mas Mário Rocha garante que recebeu toda a verba que pediu de apoio ao Ministério da Cultura. O que não recebeu foi a visita da ministra, Isabel Pires de Lima, que não esteve presente na inauguração da iniciativa, apesar de convidada. Fez-se representar pela Delegada Regional da Cultura do Norte, Helena Gil, que ressaltou a importância da realização de iniciativas culturais fora dos espaços para onde, normalmente, são remetidas. A responsável pela Cultura no Norte considera estarem, assim, reunidos na Arte na Leira “todos os ingredientes para ser um evento que se vai multiplicando, que vai dando os seus frutos”. Garantindo, desta forma, a continuidade do apoio dado pelo Ministério da Cultura.
Um apoio que também vai ser mantido nas próximas edições pela Câmara de Caminha. Foi isso que sublinhou o vice-presidente, José Bento Chão, que aplaudiu a “coragem” da organização ao arrojar colocar peças de artistas consagrados ao lado das daqueles que ainda estão a dar os primeiros passos no mundo da arte. “Saúdo a coragem da organização ao juntar artistas consagrados e jovens promessas sem pruridos nem preconceitos, sem elitismos, dando oportunidade a quem está a começar e quem demonstra vontade de seguir um caminho que não é fácil”, referiu durante o acto inaugural.
Mas o ponto alto da edição deste ano da Arte na Leira, para Bento Chão, diz respeito às quatro telas onde parecem retratados os habitantes da aldeia. “São retratos filtrados pelo olhar do artista. Fiquei extremamente sensibilizado por esta iniciativa que é sem dúvida uma homenagem a esta serra e a estas gentes. Permitam-me que me associe à homenagem que o Mário aqui faz. Como vereador, quero agradecer a este povo por acolher com tanta abertura e carinho ao longo de várias edições um certame que engrandece um concelho que nos orgulha”.
Indiferente a estas e outras palavras, Maria Dorinda continua o seu trabalho que os animais têm fome e não se compadecem com os caprichos da arte.

Susana Ramos Martins

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